Mostre-me um exemplo TRIBUNA DE URUGUAIANA

9 de dez. de 2025

Bordadeiras da Chapada, 15 anos de ponteio e memória


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Bordadeiras da Chapada, 15 anos de ponteio e memória

Texto e fotos de Valéria del Cueto

Com quantos fios se faz uma história? Quantas mãos são necessárias para se bordar referências e memórias? Por quanto tempo se preserva um lugar por meio de delicadas peças artesanais espalhadas mundo a fora?

Há quinze anos as Bordadeiras de Chapada dos Guimarães registram traços originais riscados pela arte educadora Louriza Boabaid. São imagens, mensagens e costumes ponteados em linhas tramadas nos tecidos trabalhados por mulheres dedicadas a um ofício artesanal, terapêutico e complementar de geração de renda no coração do Centro-Oeste brasileiro.

O início do projeto foi num curso ministrado pelas Bordadeiras do Grupo Matizes Dumont/MG, no município mato-grossense distante 60 quilômetros da capital do estado, Cuiabá.

Um dos princípios que consolidaram o coletivo foi a temática que lhe deu características próprias e projeção com a escolha dos temas bordados em peças originais que valorizam a terra, seus costumes e a natureza exuberante do cerrado.

Toalhas, vestidos, aventais, almofadas, etiquetas de bagagem, bolsas... Não há limites para a aplicação dos trabalhos manuais chapadenses à venda para pronta entrega na sede das Bordadeiras ou por encomenda, no caso de produtos exclusivos.

Enquanto houver frutos, flores, pássaros, paisagens e muita poesia elas espalharão suas mensagens e a beleza de seus pontos. Simples a princípio, mas cada vez mais elaborados com o desenrolar dos trabalhos que se iniciam nos cursos oferecidos no espaço localizado quase na entrada da Rua Coberta, no centro de uma das cidades turísticas mais charmosas de Mato Grosso.

Ambiente acolhedor para expor os trabalhos
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Aproximadamente 500 alunas passaram pelas aulas ministradas pelas bordadeiras mais antigas coordenadas por Emília e administradas pelo coletivo originário das artesãs.

Entre risadas e conversas animadas os encontros servem de aprendizado e, também, para desopilar os problemas cotidianos das participantes das atividades numa terapia informal.

As tensões são aliviadas em aulas de dança que ajudam a relaxar o corpo e melhorar a postura das alunas. Sabia que as linhas devem ser no máximo do tamanho do antebraço para não prejudicar a ergonometria e causar lesões?

As reuniões acontecem nos dias em que a sede das Bordadeiras da Chapada dos Guimarães, na Rua Santo Antônio, 106, está aberta ao público, às quartas, sextas e sábados, das 14:30 às 17h.

Entre quitutes levados para o lanche, um cafezinho ou um suco, as bordadeiras dividem as tarefas, os riscados e as linhas de cada imagem da memória da baixada e do entorno de Cuiabá a ser bordada.

Os trabalhos retratam a Igreja de Santana (logo do coletivo), as cachoeiras e paisagens da Chapada, ditos cuiabanos, trechos de poesias (as de Ivens Scaff fazem o maior sucesso), a flora e a fauna do cerrado, assim como o resgate do folclore local como o Troá, figura mítica regional.

Do folclore local, o Troá, guardião das florestas
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Esse imaginário vagarosamente se espalha pelo mundo por meio das vendas dos produtos, participações em eventos de moda, exposições, programas de TVs nacionais, estrangeiras e redes sociais.

Visitar a sede das bordadeiras é uma viagem pelas tradições locais, um mergulho nos signos e ícones que representam a cultura popular de um Mato Grosso profundo que precisa ser preservado e divulgado.

A sede das Bordadeiras, no antigo Hospital Santo Antônio

Acha pouco? As meninas (e meninos como Beto, conhecido pela destreza em pontear as letras das frases e mensagens bordadas) querem mais! Também estão abertas as aulas de pintura em tecido.

A mais nova atividade é o curso para turistas de confecção de bonecas africanas Abayomis, feitas com pedaços de tecidos. Tradição trazida nos navios negreiros. A visita é agendada por uma agência de viagem e é mais uma fonte de renda para a conservação do espaço e a remuneração das bordadeiras.

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Para quem chega na Chapada dos Guimarães, a visita a sede das Bordadeiras é uma porta aberta para [re]conhecer um pouco do que Mato Grosso (ainda) tem de melhor representado pelo trabalhado feito por mãos que expressam as belezas e a sabedoria do cerrado mato-grossense.

O mapa do tesouro cultural das Bordadeiras: Chapada dos Guimarães
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*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com



Studio na Colab55

14 de nov. de 2025

Volto Já

Volto já

Texto e foto de Valéria del Cueto

O destino é a Chapada dos Guimarães. O único apelo capaz de mover a montanha. Isso porque Maomé mandou.

O recado foi curto e grosso: “O olho do dono é que engorda o gado”. Que gado, senhor? O que tenho e me leva para lá é o cerrado. Nativo. Sem intervenções, na medida do possível.

Se não deu para chegar na COP30 em Belém, o Jogo do Contente do livro Polylianna, escrito por Eleonor H. Porter, em 1913, me convenceu a explorar, 6 anos depois da última viagem ao Centro-Oeste, o bioma que tanto amo e, mesmo à distância, faço o que posso para preservar. E não é fácil. Falo do mais castigado e desmatado no momento.

Para começar, diz que atualmente tudo tem que ser previamente planejado. Eu? Considero fora de questão fazer um roteiro pré-definido, com agendas e visitas checadas e verificadas antecipadamente pela internet.

Ora bolas, aí para que viajar se já fui virtualmente? É um tédio que não deixar espaço ao acaso. Ele, que sempre me levou a lugares incríveis e proporcionou lembranças inesquecíveis.

Sei que não é o normal na vida dos turistas usuais. Porém, conheço meus movimentos. Estou cansada de fazer muitos planos. Executá-los fielmente não faz parte do meu show. Sim, sempre, eu disse sempre, dá errado!

Já escrevi, anos atrás, um texto intitulado “Turista ou viajante” explicando que me encaixo, até pelo karma que rege meus movimentos, no segundo grupo. Quando planejo tudo com antecedência, não vejo razão para me movimentar se já viajei preparando o passo a passo do percurso. Imagens, sons, programações... Só os cheiros são inalcançáveis. Por enquanto.

Ir só para executar o planejado não me pega por convicção e não funciona na prática. O que confirmo a cada tentativa de seguir as normas vigentes. Dá errado!

O único planejamento quase infalível que os deuses me permitem é o que me leva à Marquês de Sapucaí ano após ano. Lá supero o mau tempo, as mudanças de roteiro provocadas pelas alterações de regulamentos e das saídas e passagens que me levam da pista à torre de transmissão.

Sou abusada. Não me satisfaço com um único enquadramento. Quero o perto/pista quase aéreo/torre. Faço desse percurso um desafio físico e mental fotografando para o Diário de Cuiabá e parceiros há mais de 20 anos os desfiles carnavalescos.

Entre tombos, esbarrões e percalços (colecionados da concentração até a dispersão na pista em que se realiza o maior espetáculo de cultura popular do planeta no sambódromo carioca), coleciono cada imagem resguardada no acervo carnevalerio.com. Vem, carnaval! O que me move? É a paixão.

Que não é a mesma que me fez sair do Rio justo no dia em que a Liesa, a Liga das Escolas de Samba, anunciou a abertura do credenciamento dos desfiles do carnaval 2026.

Aí está uma boa razão para voltar. A passagem está comprada para dois dias antes do minidesfile que marcará as comemorações do Dia Nacional do Samba, entre 28 e 30 de novembro (lembrando que dia 29 é a final da Libertadores e o Flamengo enfrenta o Palmeiras na... Argentina!)

Melhor assim, vai que role um déjà vu e ocorra o mesmo fenómeno sísmico existencial, como na primeira vez que fui a Cuiabá. Jurei que ia ficar três meses por lá e foram mais de vinte anos de amor desenfreado!

Sim, comi cabeça de pacu, virei cidadã cuiabana e mato-grossense e levei décadas para conseguir transferir minha base de volta ao Rio. E olha que não faltaram tentativas! Voltei por amor quando vi que era hora de cuidar de quem sempre me cuidou, minha avó, D. Ena.

Agora é tempo de não combinar nem planejar. Me deixar levar seguindo um roteiro mínimo. Olhar o que me pertence e cair nos braços e abraços dos afetos que o destino, sempre ele, me fizer encontrar. Os que cultivei pelos caminhos dessa longa jornada por Mato Grosso.

Sem avisar que estou chegando, o que conduz meus passos é o acaso. Como na primeira vez (e em todas as que consegui seguir meu desplanejamento inicial), sei que alcançarei meu o objetivo primordial: ser feliz com as boas surpresas que me aguardam.

Lá vou eu em mais uma aventura pelo centro da América do Sul que tanto amo, antes de cair nos braços da paixão que aquece meu sangue e faz pulsar meu inquieto coração no ritmo acelerado das baterias da folia carioca.

Fui ali e volto já...

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica das séries “Parador Cuyabano” e “É Carnaval” do SEM FIM... delcueto.wordpress.com



Studio na Colab55

23 de out. de 2025

Paz na terra, crônica de Valéria del Cueto



Paz na terra

Texto e foto  Valéria del Cueto

Querida cronista. Estou há dias alinhavando as últimas novidades para atualizá-la nos acontecimentos aqui de fora. Está difícil!

Tenho parte da responsabilidade no atraso e não nego. Porém, outros fatores aumentam a dificuldade de resumir tantos eventos nas poucas palavras que consigo enviar pelo raio de luar que ilumina sua cela.

Esse seu exílio voluntário do outro lado do túnel, cá para nós, torna nossa comunicação mais difícil e complicada que a ausência de um simples whatsapp, o meio de comunicação que, diz a lenda, mudou a maneira dos terráqueos se comunicarem.

Agora é costume usarem as redes sociais para tudo, inclusive comunicados oficiais, bate-bocas e DRs entre os governantes! Aí começa minha dificuldade plucplacteana de extraterrestre interplanetário ainda preso nesse mundão por problemas propulsores na minha nave viajante.

Pelo tempo de seu exílio sinto lhe informar que invertemos nossos papéis. Você, que me ensinou de um tudo quando caí sem paraquedas cultural aqui na Terra, me nutrindo de conhecimento popular e informações que permitiram minha sobrevivência no planeta de maneira menos traumática, se resolvesse abandonar seu refúgio voluntário, precisaria de aulas intensivas para se readequar ao cotidiano do lado de cá!

São essas instruções que gostaria de deixar em nossa intermitente correspondência. Não dá! Precisaria de muitas luas, dezenas ou até centenas de raios do luar que banham sua cela para prepará-la para sobreviver minimamente por aqui. E isso não seria tudo. Conhecimento é vida, mas a necessidade de um intenso preparo psicológico para segurar sua onda seria essencial!

Quase nada no pedaço é como antes e isso, certamente, mexerá profundamente com seu emocional. Aquele que você tenta valentemente preservar neste isolamento.

Para ajudar nesse sentido, tenho trocado algumas impressões com suas sobrinhas. A Luisa, no quesito psicológico, e a Natália, na parte de equilíbrio mental e corporal.

Caso não tenha registrado, as meninas viraram mulheres. Luluca é psicóloga e Nat acupunturista. Vai se formar em fisioterapia após largar de mão, depois de terminar, o curso de línguas estrangeiras para relações exteriores. Dos idiomas persiste no estudo do mandarim. Tudo a ver com a medicina chinesa a que se dedica.

Você vai precisar desses apoios para manter sua mente e seu corpo sãos. Pode ter certeza!

Já sei o que vai dizer. Que essa cartinha está com cara de abandono. Talvez sim. Mas garanto que não será voluntário, como seu exílio. Acontece que a maré não está para peixe, nem o céu é mais do condor.

O presidente dos EUA que se dedica a uma perseguição implacável aos imigrantes em seu território (como os nazistas caçavam os judeus e outras minorias nos tempos da segunda guerra) expandiu suas atividades bélicas aos mares internacionais. Bombardeia navios e barcos de pescadores. Sem direito a defesa! Alega, sem provas nem julgamento legal, o transporte de drogas para seu país.

Na Europa, drones interferem nas operações de aeroportos de vários países enquanto ataques da Rússia contra a Ucrânia prosseguem sem perspectivas de paz apesar do encontro, com direito a tapete vermelho no Alaska, dos que se acham donos do mundo. O resultado do rapapé foi nulo. A guerra continua...

Sim, amiga cronista, no meio desses tiroteios corro sérios riscos no céu, na terra e no mar. Por isso procuro uma rede de proteção para sua sobrevivência e sanidade. Sei lá, não sei do meu, antes quase tranquilo, futuro de viajante errante.

Não quero terminar essa missiva pra baixo. Trago a notícia de uma trégua na Palestina. Mais uma vez estão na primeira etapa da tentativa de uma paz negociada depois de Netanyahu arrasar e devastar a Faixa de Gaza. Mas não se anime!

No momento estão trocando reféns e prisioneiros. Para variar, os primeiros têm nomes, sobrenomes e histórias. Já os palestinos são apenas números despejados na terra destruída, sem direito sequer a entrada massiva de alimentos e apoio médico para a população atingida pela barbárie incontrolável.

A ação foi na medida para alimentar a pretensão do “King in América” a almejar o Prêmio Nobel, indicado pelo algoz do Oriente Médio. Só que... o pleito delirante não colou.

A laureada foi María Corina Machado “pelo seu incansável trabalho em promover os direitos democráticos pelas pessoas da Venezuela e pela sua luta para atingir uma transição justa e PACÍFICA de uma ditadura para a democracia”.

María Corina dedicou o prêmio a quem? Ao povo de seu país e ao presidente Trump, o que tem enviado navios militares à costa venezuelana e adota a estratégia de explodir barcos que os EUA “considerem” levar drogas ao território americano.

O primeiro Nobel sul-americano foi para quem incentiva ações belicosas, cronista. E, justamente, o Nobel da Paz!

Desconfio que o criador da honraria deva estar se revirando no seu túmulo sueco em Estocolmo...

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Fábulas Fabulosas” do SEM FIM...  delcueto.wordpress.com

Studio na Colab55

8 de out. de 2025

Nem sempre ganhando... - crônica de Valéria del Cueto


Nem sempre ganhando...

Texto e foto  Valéria del Cueto

Hora de parar o mundo para dizer a que vem aí. Mais uma crônica! Só assim tenho o estímulo necessário à escrevinhação, como sempre, no caderninho. Tenho prazo, espaço e vontade de exercitar o direito de dizer. Falar de quase nada no meio de muito tudo não é fácil.

Me desligar de tanta informação eu até sei. Mas nem para você, leitor, nem para mim - que do meio do mundo vejo o dito cujo se exaurindo em conflitos, dores e muito, muito desamor-, a tarefa é simples.

Sei que existem os que, como eu, perplexos diante de tanta brutalidade, ainda procuram formas de, mesmo que indiretamente, interferir no rolo compressor que parece incontrolável, movido pela maldade humana. Atualmente, pra piorar, turbinado pela força motriz generativa da inteligência artificial que se multiplica a nossa imagem e semelhança. E que imagem, que semelhança!

Por isso acho que, como no caso dos que procuram estímulos para mudar essa vibração, também preciso de ajuda para sair, por exemplo, das águas turvas da flotilha que tenta chegar a Gaza com alimentos e a ajuda médica para aliviar o sofrimento dos palestinos, reféns involuntários do governo de Israel, sob as ordens de Netanyahu.

Quando se trata de genocídio, volto à leitura de “Mila 18”, de Leon Uris. A história se passa no gueto de Varsóvia, sob o domínio alemão. Descreve o terrível cotidiano dos judeus na capital da Polônia ocupada.

Agora, os algozes são aqueles que foram vítimas no século passado, durante a Segunda Guerra Mundial. A diferença são os métodos, ainda mais cruéis, de extermínio.

Pra escrever preciso sair desse turbilhão de horrores que se multiplicam, sem tanta exposição e mídia, em outras partes do globo.

No meu pedaço o céu é o limite! Olhando pra ele sem nenhuma nuvem, me inspiro nas florezinhas amarelas na ponta do ipê meio raquítico, sem nenhuma folha, oscilando preguiçosas ao vento nesse início de primavera, suavemente lânguidas, animadas pelo balanço dos galhos. Sigo o movimento de uma das flores bailando solta, caindo na direção do rio. Não foi a brisa que a derrubou. Consigo ver um passarinho, inho,inhozinho brincando na galharia.

Aqui embaixo o som das águas do rio, meio seco devido a falta de chuvas, vem do resmungo preguicento do fluxo deslizando entre as pedras em seu leito. O sol não está mais a pino. Mesmo assim seu calor espanta a passarinhada que prefere descansar a sombra e só recomeçar a movimentação mais tarde.

Por uma questão de justiça climática esclareço que por mais abafado que seja o clima no meio do mundo não é nada comparável as temperaturas de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, (quente desde sempre no verão), e de Cuiabá, onde o que já era insalubre está ficando cada vez pior com a valiosa e insuperável colaboração, por exemplo, dos responsáveis pelas obras intermináveis do VLT/BRT.

Aí, mesmo sem querer cair novamente no redemoinho dos acontecimentos, me lembro do filme de Spike Lee, “Faça a coisa certa”, que narra os acontecimentos de um dia de calor insuportável no Harlem, em New York....

Mais um movimento no entorno! Graças a Deus, ele desvia o rumo da prosa antes que ela caia no buraco negro dos desastres climáticos. Aqueles que serão temas da COP 30. Claro que nela, o principal será as buscas por caminhos e soluções para mitigar a crise. O que se faz apontando e alertando sobre os problemas crescentes que exaurem o planeta.

Voltando às miudezas, essa nem tão miúda assim, o que me distrai é um dos vizinhos da Mata Atlântica. O lagarto teiú cruza a estrada de terra que liga o nada ao lugar nenhum aqui no meio do mundo. Ele me ignora solenemente passando pro terreno e se desviando do tapete de pitangas perpitolas que caíram da pitangueira com a ventania da manhã.

Elas estão merecendo uma varrida que só acontecerá quando os passarinhos e borboletas, animados pelo ciciar das cigarras, avisarem que a temperatura vai dar um refresco no cair do sol atrás do morro do outro lado do rio.

Terei pouco tempo para varrer o pitangal salpicado no deck e jogar uma água nas plantas. Das miudezas, que envolve uma conversinha com as plantinhas preferidas, parto para uma missão quase universal: torcer pelo meu Flamengo, que ocupa o primeiro lugar na tabela do brasileirão.

Enfim, apesar dos pesares, esse domingo ainda pode ser quase perfeito. Mas isso, como outros fatores da vida, não depende só de mim...

PS: Deu ruim. Depois de duas expulsões, o Mengão perdeu só de 1X0 para o Bahia. Agora, somos vice-líderes do campeonato. Sorte que ainda faltam 11 rodadas para o final do torneio!

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM...  delcueto.wordpress.com

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26 de set. de 2025

Ainda os créditos - crônica de Valéria del Cueto

Ainda os créditos

Texto e foto  Valéria del Cueto

Só acaba quando termina. Para que, depois, seja possível à produção fechar os créditos finais. Aqueles que mencionei no último texto. Os dos filmes e, também, de quem participou do julgamento do ex-presidente e mais outros 6 integrantes do Núcleo 1, no STF.  

Tenha a quase certeza de que após a finalização da lista na pós-produção haverá a possibilidade de faltar algum nome na relação de colaboradores.

Seja por esquecimento involuntário ou até mesmo proposital. Afinal, nada é perfeito no mundo, nem a relação dos participantes de um trabalho coletivo. Ela pode ser quase generativa, interminável.

Não dá para medir esforços na busca de informações e reconhecimento para a posteridade de todos os técnicos, atores e colaboradores, sejam pessoas físicas ou jurídicas que participam da realização de uma obra idealizada por alguns e construída por muitos, no caso de obras artísticas. Já em outros casos, pode ser o inverso.  Sonhada por muitos, mas concretizada por poucos.

A não ser que...

O poder de contar a história esteja nas mãos de um único componente, cabendo a ele todos os papéis da iniciativa.

O povo, na sua sabedoria popular, diz que esse tipo de empreendedor é um autêntico representante do “bloco do eu sozinho”.

Foi o que o mundo assistiu na abertura da Assembleia Geral da ONU, em New York, horas antes do raiar da primavera, na tarde do dia 22 de setembro.

Primeiro, se manifestou o autor de uma obra coletiva. O presidente Lula, em sua fala ao abrir os trabalhos do encontro de quase duzentos países, defendeu a multiplicidade de ideias, no esforço coletivo. Em relações baseadas no diálogo e objetivos comuns à maioria dos membros.

Sublinhou as ações urgentes no que diz respeito ao fim dos conflitos mundiais e a preservação do planeta, alertando às graves consequências das mudanças climáticas.

Seu pronunciamento foi feito no tempo aproximado de 15 minutos solicitado pelos organizadores do encontro dos líderes mundiais.

Em vários momentos foi aplaudido pelos participantes, como no apelo pelo fim da guerra genocida em Gaza, no pedido do fim do embargo a Cuba, no alerta sobre as agressões ao planeta, a crise do clima e ao conclamar os países a fortalecerem a própria ONU.

Em seus créditos pessoais fez questão de lembrar de José Mujica, ex-presidente uruguaio e o Papa Francisco, ambos defensores da paz e promotores da igualdade entre os povos.

Que contraste com o orador que o seguiu na tribuna, autêntico representante do bloco do eu sozinho. Incapaz de ter a generosidade de delegar a terceiros a autoria de suas “realizações”, falou mal da organização do evento e da própria ONU já na abertura de seu discurso.

Nele, trouxe para si todos os “méritos” que considera relevantes nos feitos que agitam o conturbado cenário mundial, quase em colapso turbinado por sua atuação.

Como se, além de proprietário do campinho fosse, também, o dono da bola.

Respeito, que é bom, nem pelo tempo estipulado de fala.

Foi quase uma hora de uso do microfone, desconsiderando o protocolo estabelecido e os discretos alertas sobre o andamento da programação prevista.

Finalizou decretando que, no tempo de um anúncio de televisão, trinta e muitos segundos, algumas palavras e um abraço, concluiu que o presidente Lula é um “very nice man”, informando que haverá um encontro entre eles na próxima semana.

Mais uma vez, os créditos finais desse evento terão que ser reescritos. Dessa vez para incluir nos agradecimentos o nome do operador de teleprompter, o equipamento que o representante dos EUA reclamou ter falhado e provocou, inclusive, um pedido de formal de investigação à ONU assim como, também, a engasgada da escada rolante da sede da organização em sua gloriosa chegada.

Ah, o novo registro será de um integrante do entourage do próprio Donald Trump. A ONU esclareceu que o sistema era operado por um membro de sua selecionada equipe...

No mais, que venha a primavera e o aguardado encontro entre os presidentes.

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Da série “Não sei onde enquadrar” do SEM FIM...  delcueto.wordpress.com


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